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A importância dos votos divergentes e o caso da responsabilidade do tomador de serviços na terceirização pública


Aloysio Corrêa da Veiga[1]
Cesar Zucatti Pritsch[2]

Estamos muito honrados em participar desta obra em homenagem à Ministra Rosa Weber, exemplo de Magistrada, que notabilizou sua carreira como Juíza, ao longo de mais de 4 décadas, percorrendo todas as instâncias do Poder Judiciário. Juíza Substituta, Juíza Titular, Desembargadora, Desembargadora Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Ministra do Supremo Tribunal Federal, hoje Presidente da Excelsa Corte. Demonstrou, no triste episódio que vivemos, o de 8 de janeiro, a tenacidade a impedir o fraturamento das instituições e a demonstrar a coragem de, em breve tempo, restaurar a memória histórica da Corte Suprema a garantir que a democracia é inabalável.[3] VEIGA, Aloysio Corrêa da; PRITSCH, Cesar Zucatti. A importância dos votos divergentes e o caso da responsabilidade do tomador de serviços na terceirização pública. In Ela pede Vista: Estudos em Homenagem à Ministra Rosa Weber” (coord. Ana Carolina Caputo Bastos et al.), Londrina: Thoth, 2023, p. 103.

Resumo: Examina-se a importância dos votos divergentes para a maturação do debate nas cortes de vértice, tomando como base o voto vencido da Ministra Rosa Weber no Recurso Extraordinário n° 760.931 (Tema 246 da Repercussão Geral). Antes, traça-se um paralelo com os célebres votos divergentes (dissenting opinions) lançadas em Plessy v. Ferguson e Lochner v. New York, cujos argumentos ampararam, finalmente, a final superação de tais precedentes. Considerando que o Direito evolui em moto-contínuo, examina-se o voto da Relatora no RE n° 760.931, observando que sua profundidade lança importantes luzes para o tema, que as conclusões assentadas pela corrente vencedora, na realidade, não distam substancialmente do propugnado pela Relatora (quanto à possibilidade de prova em concreto de culpa do tomador), remanescendo o maior debate – quanto a quem incumbiria tal prova – em aberto.

Sumário: Introdução; 1. A importância dos votos divergentes para a maturação do debate – Plessy v. Ferguson e Lochner x New York; 2. Voto vencido da relatora, Ministra Rosa Weber, no RE nº 760.931, Tema 246 da Repercussão Geral; 3. Distribuição do ônus da prova e suas balizas: questões em aberto; 4. Considerações finais; Referências.

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Introdução

A doutrina tem se dedicado ao estudo do papel essencial das cortes supremas ou cortes de vértice de cada ordenamento jurídico, como fator de unidade do sistema, tutelando a certeza e unidade do significado das normas[4] – função frequentemente referida como nomofilácica, a partir da doutrina italiana.[5] São cortes destinadas à formação de precedentes para uniformização do direito e orientação prospectiva das demais instâncias julgadoras, onde os casos concretos servem mais como exemplo ou substrato para a análise da questão jurídica submetida, tutelando-se o direito objetivo (jus constituitionis) e não a justiça da situação concreta invocada pelos litigantes (jus litigatoris).[6] Vaticina André Tunc, em estudo comparativo sobre as cortes supremas, que a análise do litígio concreto é meio ou “ocasião” para cumprimento da missão de assegurar a unidade, clareza e segurança do direito – no interesse de todos os cidadãos – mais do que o interesse particular dos litigantes.[7] No mesmo sentido leciona Taruffo, para quem o caso concreto, nas cortes de vértice, constitui um pretexto para que aquelas atinjam sua finalidade última – a interpretação da norma a fim de conferir unidade ao Direito:

Lo scopo istituzionale che la Cassazione dovrebbe perseguire nello svolgere la funzione che le è propria consiste essenzialmente nella corretta interpretazione … della norma, anche in vista dello scopo ulteriore rappresentato dalla uniformità nell’interpretazione della legge. …  Qui l’interpretazione «esatta» della norma è dunque lo scopo che si persegue, mentre il mezzo, o il pretesto, per conseguire questo scopo è il caso concreto, con la relativa iniziativa di parte che si realizza nel ricorso e nella configurazione dei motivi di impugnazione. (destaque nosso)[8]

Uma adequada distribuição das competências entre as cortes judiciárias promove a economia processual e viabiliza a racionalização de sua atividade, reduzindo o desnecessário dispêndio de energia. Por outro lado, a especialização de funções potencializa a tempestividade da tutela jurisdicional, através da produção de precedentes vinculantes e sua aplicação pelas instâncias de origem, dispensando o acesso multitudinário e repetitivo de lides às instâncias judiciárias superiores quanto aos temas já pacificados.[9]

Tal funcionalidade se intensifica em matérias constitucionais, especialmente dado o caráter diretivo de nossa Constituição Cidadã, de 1988 – a qual buscou sacralizar uma substancial gama de direitos sociais, após a derrocada do regime autocrático, constitucionalizando diversos ramos do Direito, com especial intensidade quanto ao Direito do Trabalho. Trata-se de direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), liberdades ou prestações positivas, surgidas no início do século XX em busca de isonomia em sentido material, para elevar a qualidade de vida da população.[10]

As constituições brasileiras têm dado progressiva ênfase aos direitos sociais, com capítulo próprio desde a Constituição de 1934 (Ordem Econômica e Social, arts. 115-147).[11] Na Constituição vigente, são enfatizados direitos sociais que envolvem prestações do Estado – como saúde, previdência, assistência social, educação, cultura e esporte (arts. 194 a 217) – além de todo um bill of rights dos direitos fundamentais trabalhistas (arts. 7º a 11), determinando vetores essenciais ao Judiciário, à Administração Pública, assim como ao próprio Poder Legislativo. Todas as atividades do Estado – jurisdicional, administrativa, e mesmo legislativa – devem estar pautadas no dever de concretizar seus cânones, assim como de abster-se da sua supressão.[12] Tal rol pormenoriza a proteção ao trabalho humano, que deve guiar a própria iniciativa econômica, fundamento da ordem econômica e da própria República brasileira (arts. 1º, IV, e 170, caput e VIII).

  É em tal contexto que examinamos, neste breve ensaio, o lapidar voto vencido da Ministra Rosa Weber no Recurso Extraordinário n° 760.931 (Tema 246 da Repercussão Geral), na matéria da terceirização trabalhista, sensível tanto pelo seu largo impacto numérico quanto pela fragilidade dos trabalhadores envolvidos – dependentes de uma razoável proteção estatal, a fim de que tenham acesso a dignidade humana prometida pela Constituição Federal.

Antes, porém, impõe-se traçar breve paralelo com os votos divergentes (dissenting opinions) lançadas em Plessy v. Ferguson e Lochner v. New York, cujos sólidos argumentos ampararam décadas de discussão, até que consagrados na linha condutora dos acórdãos que superaram tais precedentes. Tal comparativo nos leva a refletir que nem sempre o Direito evolui de forma linear e que os votos dissidentes compõem uma importante parte de seu processo de amadurecimento. 

 

1. A importância dos votos divergentes para a maturação do debate – Plessy v. Ferguson e Lochner v. New York

No direito processual brasileiro, “o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento” (art. 941, §3º, do CPC). Tal se justifica plenamente, já que a divergência de hoje pode guiar o voto vencedor futuro, a lembrar o Ministro Marco Aurélio quando disse que o “voto vencido de hoje poderá ser a jurisprudência dominante do amanhã”, a servir como base para futura superação do entendimento majoritário presente. Observe-se que, embora o registro dos votos divergentes esteja arraigado entre nós, tal não é uma constante entre países da tradição romano-germânica. Antes, pelo contrário, por exemplo, nas Cortes de Cassação francesa e italiana, as votações colegiadas são feitas de forma secreta, sendo o acórdão publicado per curiam, sem indicação de qualquer divergência, ainda que esta tenha existido. O segredo das deliberações é um princípio geral do direito francês, chegando a integrar o juramento da respectiva magistratura: “Art. 6. … Je jure de bien et fidèlement remplir mes fonctions, de garder le secret des délibérations et de me conduire en tout comme un digne et loyal magistrat” (destaque nosso).[13]

A deliberação é secreta, sob direção do presidente da câmara (chambre), sendo colhidos os votos de cada conselheiro integrante do colegiado de julgamento, seguindo-se a redação coletiva do arrêt por eles, a partir do voto do relator, se acolhido. O arrêt é então publicado e comunicado às partes, na prática, cerca de um mês após a audiência.[14]

Da mesma forma ocorre na Itália, como denotam, por exemplo, os arts. 276 e 380 do Codice de Procedura Civile. A Corte, após a discussão da causa, delibera in segreto nella camera di consiglio. Mesmo com o resultado por maioria, não é divulgado o voto dissidente. O presidente do colegiado registra o resultado e designa o relator para redigir a sentenza (salvo se vencido). Este redige a decisão per curiam, não havendo fundamentações individuais nominais, nem tampouco a indicação se o desfecho foi por maioria ou unânime.[15]

Em contraste, nos sistemas integrantes da tradição do common law, apesar de a votação se dar a portas fechadas, a divulgação do voto vencido (dissent) é a regra. Aliás, tal é considerado valioso, tendo frequentemente ajudado a aclarar e contrastar a argumentação vencedora, ou mesmo, servido de base para posterior reforma ou overruling. O dissent de hoje pode ser o majority opinion de amanhã.

Aqui, o novo modelo determina, ainda (em regra expressa para o IRDR, mas orientativa de todo o microssistema), que deve constar do acórdão “a análise de todos os fundamentos suscitados … sejam favoráveis ou contrários” (art. 984, § 2º). Logo, não apenas o voto condutor deverá consignar robustamente os fundamentos que levaram a maioria a acatar a tese vencedora, e explicar por que rechaçaram os argumentos relevantes contrários. Também os que votaram com a minoria deverão também consolidar seus argumentos pelos quais votaram no outro sentido, apresentando o motivo pelo qual os argumentos da maioria não seriam válidos.[16]

Dentro da mesma ótica, é muito celebrada a solitária divergência (lone dissent) de John Marshall Harlan no infame precedente da Suprema Corte americana em Plessy v. Ferguson, 163 US 537 (1896), em que um passageiro negro se negou a sair de vagão reservado a brancos por força de uma lei da Louisiana, acabando por ser preso. A decisão da maioria outorgou chancela constitucional às leis estaduais segregacionistas como esta, legitimando a doutrina “Separate But Equal” (separados, mas iguais). Fixou que a cláusula de “igual proteção das leis” da 14ª Emenda à Constituição americana não impunha a convivência entre cidadãos de raças diversas nas mesmas “acomodações públicas” (ou serviços ofertados ao público, como moradia, serviços de saúde, educação, transporte público), desde que fossem de qualidade equivalente.[17] Tal decisão deu nova força à segregação no Sul, permitindo seu recrudescimento e a perda de diversos avanços conquistados no pós-Guerra Civil.[18]

Como principais argumentos (reasoning) do voto condutor em Plessy, redigido pelo Justice Henry Brown,[19] este fazia uma leitura restritiva da 14ª Emenda, entendendo que aquela garantia tratamento igual apenas sob o ponto de vista legal (igualdade formal), não pretendendo igualar de fato o que é socialmente desigual, nem forçar a convivência entre as raças. Disse que se as pessoas de cor se sentiam inferiorizadas, isso não se dava por culpa da lei, mas sim da visão subjetiva de tais pessoas acerca da situação. Finalmente, asseverou que o Poder Legislativo dos estados devia ser usado de forma razoável, e não para oprimir “a outra raça” — no entanto, contraditoriamente, sustentou que no caso subjacente não houvera qualquer abuso.

O único voto divergente (lone dissent), do Justice John Marshall Harlan, ilustra a importância do registro da divergência, explicitando os argumentos contrários. Harlan refletiu que o óbvio objetivo da norma era excluir os negros dos vagões destinados aos brancos, e que a Constituição americana não distinguia cor e tampouco tolerava a divisão dos cidadãos em castas. Previu (corretamente) que tal decisão seria tida como a mais infame da história, ao lado daquela exarada em Dread Scott (que legitimara a escravidão, negando direitos mesmo aos libertos, estopim para a Guerra da Secessão, em 1865).[20] Durante décadas seu voto divergente foi citado na defesa dos direitos civis, em juízo ou fora dele, até que finalmente superada a doutrina segregacionista de Plessy, no não menos célebre Brown v. Board of Education (1954).[21]

Outro caso que se notabilizou por um voto vencido à frente de seu tempo foi aquele prolatado pelo Justice Oliver Wendell Holmes em Lochner v. New York, 198 U.S. 45 (1905). Em Lochner, a maioria da Suprema Corte americana considerou inconstitucional uma lei do estado de Nova Iorque que proibia empregados de padarias de ultrapassar 10h por dia ou 60h por semana. Asseverou-se que tal lei tolhia uma garantia individual de “liberdade de contratação” de empregadores e empregados, implícita como um desdobramento material ou substantivo da garantia do devido processo legal da 14ª Emenda à Constituição (…nem deve qualquer estado privar qualquer pessoa da vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal…). Lochner se tornou a mais conhecida de uma série de decisões que materializavam um ativismo da Corte, nulificando leis estaduais ou federais que se propunham a regular as relações econômicas e sociais, parte do chamado constitucionalismo laissez-faire.[22]

A famosa dissidência de Holmes passou à posteridade, a caracterizar tal período como eivado de uma indevida interferência nas escolhas dos representantes eleitos pela maioria, com base em visões de ideologia econômica que não possuíam amparo constitucional.[23] Em apenas três parágrafos, de forma bastante direta, asseverou que o caso estava sendo “decidido com base em uma teoria econômica com a qual grande parte do país não concorda”. Disse que até poderia se aprofundar em seu estudo antes de posicionar, mas entendia que esta não era sua função, porque sua concordância ou discordância não se sobrepunha ao direito da maioria em converter sua vontade em leis. Enumerou diversos exemplos de leis estatuais e federais regulando o poder de polícia estatal, inclusive em matérias de contratos, valores mobiliários, ou mesmo limitações de jornada para os mineiros – observando ser irrelevante se materializavam premissas com as quais a Corte concordava.[24]

Tais exemplos evidenciam que, em questões complexas, os votos dissidentes acabam preservando para o futuro argumentos e alertas quanto a eventuais falhas do raciocínio em determinado momento esposado pela maioria. Traz a discussão para o contexto nacional, onde vamos ver a delicada questão da terceirização na seara pública, que se prolonga desde 2007, quando protocolada a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, até os dias atuais, com seu desdobramento no Tema 1.118 da Repercussão Geral.

 

2. Voto vencido da relatora, Ministra Rosa Weber, no RE nº 760.931, Tema 46 da Repercussão Geral

É neste contexto, de reconhecimento da importância histórica (no sentido de preservação dos dois lados da argumentação jurídica) e prospectiva (como suporte para debates posteriores, a fim de refinar ou superar entendimentos), que registramos aqui nossa análise e homenagem à brilhante jurista, Ministra Rosa Weber, além de algumas provocações sobre a temática relativa à terceirização pública. A discussão aqui coligida tem sido sucessivamente tratada na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 16, no Recurso Extraordinário (RE) nº 760.931, Tema 246 da Repercussão Geral e, mais recentemente, no RE 1.298.647, Tema 1.118 da Repercussão Geral. Uma das mais candentes controvérsias de toda a Justiça do Trabalho, ainda hoje, conta com mais de 60 mil recursos extraordinários sobrestados no âmbito da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em que aguardam o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal neste último tema, salientado nas dúvidas remanescentes sobre o respectivo ônus da prova.[25] Muitos de tais processos tramitam há mais de 15 anos, uma vez que tolhidos por sucessivos sobrestamentos.

Na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 (0001014-43.2007.0.01.0000, Rel. Min. Cezar Peluso, transitada em julgado em 26/9/2011), o Governador do Distrito Federal arguia que não estava sendo observada a vedação de transferência dos encargos trabalhistas de contratadas inadimplentes à Administração Pública, nos termos do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93. Tendo como pressuposto o inciso IV da Súmula nº 331 do TST – que à época, cristalizava a responsabilidade do tomador público de serviços pelo mero inadimplemento da empresa terceirizada[26] – surgiram nos debates, de um lado, a inviabilidade de responsabilização do tomador público pelo mero inadimplemento (o que a Corte entendeu que esvaziava o dispositivo legal) mas, por outro, a inviabilidade de permitir o prejuízo ao trabalhador. Tal ocorreria quando do pagamento pelo ente público à contratada sem qualquer cuidado quanto ao efetivo alcance dos valores devidos aos empregados terceirizados.[27] Assim, haveria em cada caso a análise dos fatos concretos para a verificação de eventual culpa da Administração.[28]

Foi nesse sentido que, ao declarar constitucional o §1º do art. 71 da Lei 8.666/93, a Corte concluiu pela impossibilidade de “transferência consequente e automática dos … encargos trabalhistas … resultantes da execução do contrato, à administração” (destaque nosso).[29]

Tal decisum, entretanto, não pacificou a questão, tanto que, meses após o trânsito em julgado na ADC nº 16, foi admitido o Tema de Repercussão Geral nº 246 em 05/02/2010, sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, sobre idêntica questão. Inicialmente foi utilizado como leading case o RE nº 603.397, mas, por incompatibilidade de seu trâmite em segredo de justiça com o rito da repercussão geral, foi substituído pelo RE nº 760.931 (0100700-72.2008.5.02.0373, oposto pela União em 24/05/2012), distribuído por dependência e afetado ao Tema 246 em 13/03/2014.

O RE nº 760.931 tratava de uma recepcionista terceirizada que atuara em favor da Delegacia da Receita Federal em Mogi das Cruzes/SP, contratada em 02/01/2008 e dispensada 59 dias após, em 29/02/2008, sem anotação da baixa do contrato de trabalho extinto na CTPS e sem o pagamento das parcelas decorrentes da rescisão, conforme dados da petição inicial.[30] A empregada terceirizada não contestou o feito, sendo considerada revel.[31] Peticionou, posteriormente, apenas para pleitear a conciliação, utilizando créditos seus que estariam em poder do ente público contratante. A União contestou, arguindo inviável a sua responsabilização em face do art.71 da Lei nº 8.666/93, bem como a ausência de culpa in eligendo.[32] Juntou informações do órgão público contratante, confirmando a prestação de servidos da autora no período acima, bem como registrando que teria sido unilateralmente rompido o contrato entre aquele e a terceirizada, em março do mesmo ano, em razão dos sucessivos inadimplementos desta, os quais teriam sido devidamente notificados e penalizados (inclusive em razão de problemas no pagamento dos salários desde fevereiro de 2008), culminando com a rescisão.[33] Em sentença, de forma sucinta, foi reconhecida a responsabilidade da Administração por culpa,[34] conclusão confirmada pelo TRT da 2ª Região, que adicionou que “não se afasta a responsabilidade pela escolha, uma vez que é obrigação do Poder Público fazer levantamento prévio e verificar a real possibilidade da empresa concorrente ao certame…”.[35]

Finalmente, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em voto da lavra do Ministro José Roberto Freire Pimenta, observou que o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADC 16 afastara a responsabilização do ente público contratante pelo mero inadimplemento da empresa terceirizada, sem, no entanto, impedir a responsabilização quando ficasse comprovada a culpa in vigilando, ao não fiscalizar o adimplemento dos direitos trabalhistas pelo devedor principal. Discutiu os diversos dispositivos da própria Lei de Licitações que estabelecem um poder-dever de fiscalizar, além de detalhamento na Instrução Normativa (IN) nº 2, de 30/04/2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Exemplificou quais seriam tais deveres de fiscalização e considerou que não houvera, no acórdão regional, nenhuma referência aos atos de fiscalização. Diante de tais premissas, reconhecendo culpa in eligendo e in vigilando.[36] Sobreveio recurso extraordinário da União, e parecer do Ministério Público Federal pela improcedência.[37]

O julgamento, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi concluído em 26/4/2017,[38] destacando-se o voto da Relatora, Ministra Rosa Weber, ainda que não tenha prevalecido na votação final. Ao sintetizar os argumentos da recorrente – no sentido de que o entendimento do TST na Súmula 331, IV, afrontaria o art. 71, § 1º, da Lei de Licitações, e que eventual culpa in vigilando do tomador deveria ser comprovada e não presumida, a Ministra Rosa Weber entendeu que tais argumentos não eram suficientes para infirmar a responsabilidade da Administração.[39] Após lançar bases conceituais sobre o tema, bem como alertar para o risco de utilização para facilitar a precarização e inadimplemento de direitos dos trabalhistas, a Ministra Rosa Weber avança para a análise da terceirização na Administração Pública, destacando o crescimento exponencial do fenômeno.

Resgata bases históricas da responsabilização subsidiária do tomador de serviços terceirizados, lembrando que, inicialmente, nem se cogitava de benefício de ordem. Segundo o Enunciado 256, do TST, a terceirização só era considerada legal nos casos de “trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983”. Do contrário, seria considerada ilícita contratação por empresa interposta, situação que ensejaria responsabilidade solidária. Lembra que foi apenas em dezembro de 1993, com a edição da Súmula 331, que se consolidou a previsão de responsabilidade subsidiária dos contratantes em casos de terceirização lícita, e em 2000 que se previu expressamente a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, em tais casos.[40]

Observa que esta última redação foi considerada inconstitucional, por força da ADC nº 16, em 2010 (proibição de transferência automática dos débitos trabalhistas inadimplidos ao tomador público), sendo a Súmula 331 do TST novamente alterada a fim de seguir tais parâmetros. Se manifesta no sentido de que caberia, ademais, entendimento protetivo similar ao alcançado pela Suprema Corte quando do reconhecimento de contratos nulos com a Administração, RE 596478 e ADI 3127.[41] Em tal linha de raciocínio, conclui que a ratio decidendi de tais julgados coincidiam com aquela que orientou os precedentes que conduziram o Tribunal Superior do Trabalho à consagração da responsabilidade subsidiária afirmada no novo item V da Súmula 331/TST, permitindo que se atribua ao princípio tuitivo do trabalhador a máxima efetividade, como concreção do direito fundamental ao trabalho (arts. 5º, XIII, e 6º, da CRFB), mas também do direito a uma remuneração pelo labor prestado, imprescindível a propiciar ao trabalhador existência digna (art. 1º, III, e 170, da CRFB).[42]

 Quanto à Responsabilidade do Estado, lembra que de há muito foi superado o princípio da irresponsabilidade estatal, típico dos Estados absolutistas (“the king can do not wrong”, “quod principi placuit habet legis vigorem“, “le roi ne peut mal faire“). Após observar que nossa Constituição admite a responsabilidade objetiva do Estado (teoria do risco administrativo, art. 37, § 6º), e que há julgados do próprio STF que albergariam a responsabilidade objetiva estatal pelos danos ocasionados aos terceirizados quanto a seus haveres trabalhistas,[43] lembra essa que não foi a linha adotada no decisum da ADC nº 16.[44]  Destaca que a Corte, ao rechaçar a responsabilização estatal de forma automática ou objetiva, adotou a responsabilidade subjetiva por ato omissivo da Administração quanto às obrigações que lhe são impostas por lei – quando a inação do Estado, falhando em seus deveres, não dá causa direta ao dano, mas oportuniza a sua ocorrência[45] – inclusive colacionando decisões subsequentes da Corte, em sede de Reclamação, na mesma linha.[46]

A Ministra Rosa Weber, então, identifica o principal ponto que não teria sido solucionado pelo decisum da ADC 16 – a quem incumbiria o ônus de comprovar a mencionada culpa, e quais seriam as balizas para a sua apreciação:

Limitado a obstaculizar a responsabilização subsidiária automática da Administração Pública – como mera decorrência do inadimplemento da prestadora de serviços –, o julgamento dessa ADC 16, em que fixada a necessidade da caracterização da culpa do tomador de serviços no caso concreto, não adentrou a questão do ônus probatório relativamente aos aspectos configuradores da aludida culpa, hábil a ensejar a referida responsabilidade e tampouco estabeleceu balizas na apreciação da prova ao julgador.[47]

De forma assertiva, anota que a lei já atribui tal ônus à Administração, a quem incumbe a guarda de documentos relacionados ao cumprimento de seus deveres legais, na linha do art. 37 da Lei nº 9.784/1999.[48] Pugna pela incidência do princípio da aptidão para a prova, em face da parte que apresenta melhores condições de realizá-la, por portar conhecimentos e documentos sobre os fatos, tendo maior facilidade na sua demonstração – independentemente de qualquer decisão judicial de inversão do ônus da prova.[49] Ademais, pontua a necessária observância do princípio da cooperação e da técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova.

Quanto ao princípio da cooperação, lembra que boa-fé objetiva deve nortear todos os participantes da relação processual, para que “se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (CPC, art. 6º), como materialização das garantias do contraditório, e do próprio devido processo legal. Por outro lado, tal cooperação ampara o próprio direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, transcendendo o mero formal acesso ao Poder Judiciário. Em tal contexto, entende desproporcional impor aos terceirizados o dever probatório quanto à falha na fiscalização por parte da Administração Pública, a cuja documentação nem mesmo têm acesso.[50]

Finalmente, em relação à distribuição dinâmica do ônus da prova (em contraposição ao antigo ônus estático da prova, art. 333 do CPC de 1973 e redação anterior do art. 818 da CLT), lembra que tal técnica processual tem por diretriz a efetiva capacidade probatória de cada parte, em observância ao caráter publicista da jurisdição e ao devido processo em sua dimensão substancial. Tal se dá de modo a evitar a imposição, à parte hipossuficiente, de uma prova impossível (“prova diabólica”), conforme disciplina abraçada pelo CPC de 2015, como exemplificam os seus arts. 7º e 373.[51]

 Como bem aponta a Ministra Rosa Weber, o quadro se completa com o princípio consagrado pela lei ao dever de diligência da Administração Pública quanto ao estrito acompanhamento do adimplemento das obrigações, não apenas fiscais, mas também trabalhistas, pela empresa contratada. Impõe-se ao representante do ente público o registro das ocorrências atinentes ao contrato, determinando “o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados” (art. 67, §1º, da Lei 8.666/93).[52] A adoção dessas medidas corretivas visa à preservação da regularidade contratual – inclusive trabalhista (arts. 27, IV, e 29, IV e V, da Lei 8.666/1993), devendo ser mantidas as condições de habilitação (art. 55, XIII), sob pena de rescisão ou sanções (arts. 58, 78 e 87 do mesmo diploma). Entende que tais normas materializam vetores de Direito Administrativo, incumbindo à Administração Pública fiscalizar permanentemente o cumprimento, ou não, pela prestadora de serviços, das obrigações trabalhistas em relação aos terceirizados, devendo preservar o custo-benefício social da contratação.[53] Destaca a Instrução Normativa nº 2/2008 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG (e alterações subsequentes), que detalhou todo um arcabouço de medidas fiscalizatórias e acautelatórias, as quais, se postas em prática, evitariam que tanto a Administração quanto os trabalhadores sofressem prejuízos – quanto a estes, risco à sua própria subsistência. Finalmente, observa que o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o uso de medidas fiscalizatórias similares, quanto à terceirização ocorrida em suas dependências (Resolução CNJ nº 169/2013).[54]

À luz de tais sólidas premissas, considerou que os atuais itens IV e V da Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho não afrontam o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, antes pelo contrário se apoiando na ratio da ADC 16.[55] Concluiu, ainda, que não houvera ofensa ao §2º do art. 102 da Constituição (eficácia erga omnes das decisões em controle concentrado), nem ao seu art. 97 e Súmula Vinculante 10 (observância de reserva de Plenário, para o reconhecimento de inconstitucionalidade). O TST, no aresto recorrido, apenas teria considerado comprovada, no caso concreto, a culpa in vigilando por falha na fiscalização do adimplemento dos direitos pelo seu devedor principal, em atenção aos deveres de fiscalização mencionados acima.[56] Em tal contexto, a Relatora negaria provimento ao recurso da União e fixaria tese de que “não fere o texto constitucional (arts. 5º, II, 37, caput, e 37, § 6º) a imputação de responsabilidade subsidiária à Administração Pública pelo inadimplemento, por parte da prestadora de serviços, das obrigações trabalhistas, em caso de culpa comprovada – em relação aos deveres legais de acompanhamento e fiscalização do contrato de prestação de serviços –, observados os princípios disciplinadores do ônus da prova”.[57]

 

3. Distribuição do ônus da prova e suas balizas: questões em aberto

As 355 laudas do acórdão principal do RE 760.931, contendo os votos e a riqueza dos debates orais dos Ministros em Plenário, na realidade revelam duas visões praticamente idênticas sobre a possibilidade de responsabilização do tomador público em caso de culpa na fiscalização das empresas contratadas. Nem poderia ser diferente, já que tal era precisamente a ratio decidendi exarada na ADC 16 – razão pela qual podemos dizer que tal julgamento na sua parte efetivamente conclusiva, praticamente repetiu aquela ratio, nada substancialmente novo esclarecendo quanto à regência da matéria. De tal acórdão, outrossim, ressalta a pendência quanto ao ponto mais importante delimitado pela Relatora, Ministra Rosa Weber: a quem incumbiria o ônus de comprovar a mencionada culpa, e quais seriam as balizas para a sua apreciação? Vejamos, de maneira analítica.

O Min. Edson Fachin reportou-se às “premissas fáticas estabelecidas no acórdão recorrido”, abstendo-se de revalorar as provas – postura tradicional dos Tribunais Superiores, pela natureza de instância extraordinária dirigida unicamente pelas questões de direito.[58] Já o Min. Celso de Mello adotou na íntegra o voto da Min. Rosa Weber[59] e o Min. Luís Roberto Barroso anotou, expressamente, em sintonia com o voto da Min. Relatora, que “cabe à Administração Pública comprovar que fiscalizou adequadamente o cumprimento das obrigações trabalhistas pelo contratado”.[60] No mesmo sentido foi o voto do Min. Ricardo Lewandowski, aludindo à inversão do ônus da prova imperante no Direito do Consumidor para concluir que aqui, do mesmo modo, “compete à Administração Pública o ônus de provar que houve fiscalização.[61]

O Min. Luiz Fux, sem debater explicitamente o ônus probatório, abriu divergência para entender que a alteração do § 2º do artigo 71 da Lei de 8.666/93 (dada pela Lei 9.032/95) – que expressou a possibilidade de condenação solidária do Poder Público nos encargos previdenciários mas silenciou quanto aos encargos trabalhistas – indicaria opção do legislador para excluir estes. Pugnou que, para evitar o desamparo dos trabalhadores, seria o caso de incluir nos editais o modo de fiscalização e a responsabilidade do tomador público por infração ao dever contratualmente imposto.[62] O Min. Marco Aurélio aprofundou o debate, especificamente quanto ao sistema alusivo ao ônus da prova, entendendo que a imputação de tal ônus à Administração importaria em culpa presumida, o que entendia incompatível com o art. 71 da Lei de Licitações.[63]

Já os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes entenderam que, no caso concreto, seria necessário o provimento do recurso para sinalizar a inviabilidade do reconhecimento de uma presunção linear de culpa, equivalendo a uma negação do art. 71 da Lei de Licitações.[64] O Min. Toffoli ainda observou que o caso tratava de verbas rescisórias, portanto, ainda mais difícil demonstrar uma fiscalização adequada do tomador.[65] Contudo, nem o Min. Toffoli, nem o Min. Gilmar Mendes afirmaram a imputação do ônus da prova especificamente ao autor. Pelo contrário, disse o Min. Gilmar Mendes expressamente: “é fundamental que se tenha presente que estamos falando, de fato, de responsabilidade subjetiva com a inversão do ônus da prova, quer dizer, cabe ao poder público contratante fazer a prova de que fez a fiscalização. … a mim, me parece que se deve dizer quais são, na medida do possível, esses deveres que decorrem da própria legislação, os deveres de fiscalização”.[66] No mesmo sentido, o Min. Dias Toffoli insistiu que ficasse consignado que “é muito difícil ao reclamante fazer a prova de que a fiscalização do agente público não se operou, e que essa prova é uma prova da qual cabe à Administração Pública se desincumbir caso ela seja colocada no polo passivo da reclamação trabalhista, porque, muitas vezes, esse dado, o reclamante não tem. … a Administração Pública, ao ser acionada, tem que trazer aos autos elementos que diligenciou no acompanhamento do contrato.[67]

As sessões seguintes contaram com os julgamentos da então Presidente, Min. Carmen Lúcia, e do Min. Alexandre de Moraes, resultando em uma maioria de 6 a 5 pelo provimento ao recurso da União, mas sem significativa diferença quanto à compreensão da possibilidade de responsabilização subjetiva do tomador, desde que havendo “prova taxativa no nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido pelo trabalhador”.[68] Reitere-se, em momento algum houve clara maioria quanto à atribuição do onus probandi, ao trabalhador ou ao tomador público, como ilustra o interessante debate sobre a redação da tese – a qual remanesceu quase idêntica à da ADC 16, mediante inclusão do termo “automaticamente” para excluir uma atribuição de culpa generalizada, todavia permitindo a prova de culpa in concreto.[69] Aliás, nem mesmo em sede de Embargos de Declaração a situação se resolveu. Quando se pretendeu um detalhamento maior da tese para proibir expressamente a imputação do ônus probatório ao tomador, a maioria dos Ministros acompanhou o voto do Min. Edson Fachin, por entenderem inexistir omissão, obscuridade tampouco contradição no acórdão embargado.[70]

4. Considerações finais

Como vimos, inclusive com base em importantes exemplos advindos do direito comparado, precedentes não são imutáveis, ainda que se almeje sua estabilidade. Impende haver um desejável equilíbrio entre a permanência e cognoscibilidade do Direito – e a sua oxigenação e evolução, para a constante adaptação à complexidade das relações sociais que se destina a regular. Em tal contexto, assim como os votos vencidos em Plessy e em Lochner serviram como amparo à evolução das discussões que levaram à superação de precedentes, aqui, no sensível tema da terceirização pública, o emblemático voto da Ministra Rosa Weber tratou de sintetizar exaustiva pesquisa sobre o tema, examinando-o do ponto de vista doutrinário, histórico, dogmático e pragmático, servindo de farol para os futuros debates – logo adiante previstos, para o julgamento do RE 1.298.647, Tema 1.118 da Repercussão Geral.

Eventual imputação, ao ente público, do ônus probatório quanto à culpa in vigilando, demandará que este junte em juízo documentação para a qual já possui dever de guarda, estimulando-o a ser mais diligente com meios fiscalizatórios e acautelatórios à sua disposição.[71] Se corretamente aplicadas, tais cautelas evitam que o Ente Público ou o trabalhador sofram os prejuízos mais comuns às rupturas de contratos terceirizados. Tal diretriz probatória tuitiva, prevista inicialmente no direito consumerista e consagrada no atual CPC (art. 373, § 1º) e na CLT (art. 818, §§ 1º e 2º), propicia seguro roteiro para que a demonstração analítica da responsabilidade seja trazida para o centro do debate, ou seja, para a delimitação específica e concreta da matéria fática acerca de cumprimento dos deveres de fiscalização.

Se adotada a linha contrária, entretanto, bastará ao ente público cruzar seus braços e nada fazer, ao menos juntar aos autos os documentos que a lei obriga exigir da empresa terceirizada, para se eximir de uma eventual responsabilização. Tal atitude não parece se coadunar com o cumprimento dos seus deveres legais de fiscalização, nem com os princípios processuais da cooperação e boa-fé, nem – muito menos – com o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva. Tratar-se-ia de imposição, ao hipossuficiente, de um ônus probatório impossível, data sua maior inaptidão probatória para situações desse jaez, beirando a probatio diabolica, em afronta aos arts. 7º e 373, do CPC, e 818 da CLT.

Hoje o trabalhador terceirizado corresponde a cerca de 30% de todos os empregados formais,[72] significativa parte atuando em favor de tomadores públicos. Com mais de 60 mil recursos extraordinários sobrestados no Tribunal Superior do Trabalho, a aguardar julgamento do respectivo leading case, evidencia-se o drama social subjacente, para milhares de famílias do estamento social mais humilde do país.

Muito provavelmente, a depender do que for decidido por nossa Corte Suprema, poderão nada receber pelo trabalho que prestaram em favor dos entes públicos tomadores, em razão da fragilidade financeira ou malícia de empresas terceirizadas diante do inadimplemento dos seus haveres, e em razão da dificuldade da prova da fiscalização de contratos a cuja documentação não têm acesso. Se tal se concretizar, restará a tais trabalhadores o gosto amargo de ter dedicado as suas energias a um contratante que lhe infringiu os deveres da boa-fé objetiva – contratando mal, fiscalizando mal e alcançando valores a empresa inidônea descuidando-se da remuneração dos seres humanos de quem se serviu. Todavia, espera-se que o percuciente estudo da Ministra Rosa Weber no RE Recurso Extraordinário (RE) nº 760.931 possa lançar as bases para um melhor desfecho para tão importante discussão.

 

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[1] Ministro Vice-Presidente Tribunal Superior do Trabalho. Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho em  2020/2022. Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça em 2017/2019. Diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT em 2011/2013 e Fev./ Out. 2022. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho – ABDT. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro Honorário da Academia Petropolitana de Letras Jurídicas. Membro Honorário da Academia Petropolitana de Letras. Professor Honoris Causa da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis.

[2]  Juiz Auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, Juiz do Trabalho Titular na 1ª Região/RJ, Juris Doctor pela Universidade Internacional da Flórida (EUA), Mestre em Processo Civil pela UFRGS e Doutorando pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata. Autor de “Manual de Prática dos Precedentes no Processo Civil e do Trabalho” (2ª ed., Mizuno, 2023),  de “O TST enquanto corte de precedentes” (Mizuno 2023), Direito Emergencial do Trabalho” (RT 2020), bem como coordenador de “Precedentes no Processo do Trabalho” (RT 2020).

[3] VEIGA, Aloysio Corrêa da; PRITSCH, Cesar Zucatti. A importância dos votos divergentes e o caso da responsabilidade do tomador de serviços na terceirização pública. In Ela pede Vista: Estudos em Homenagem à Ministra Rosa Weber” (coord. Ana Carolina Caputo Bastos et al.), Londrina: Thoth, 2023, p. 103.

[4] Por exemplo, TARUFFO, Michele. La Corte di Cassazione e la legge. In: Il vertice ambiguo: saggi sulla Cassazione civile. Bolonha: Il mulino, 1991, p. 59-100. BESSO, Chiara; CHIARLONI, Sergio (org.), Problemi e prospettive delle corti supreme: esperienze a confronto, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2012; BONETT ORTIZ, Samir Alberto. El Tribunal de Casación de Colombia: Crisis, constitucionalidad y convencionalidad, Bogotá: Universidad Livre, 2020; CAPONI, Remo. La decisione della causa nel merito da parte dela Corte di cassazione italiana e del Bundesgerichtshof tedesco. Diritto e giurisprudenza, 1996; FERRAND, Frédérique. Le filtrage des recours devant les juridictions suprêmes. Revista de processo, v. 261, 2016. p. 231-262; JOLOWICZ, J. A. Appeal and review in comparative law: similarities, differences and purposes. Melbourne University Law Review, v. 15, n. 4, 1986, p. 618-636; KERN, Christoph. The Role of the Supreme Court, Revista de Processo, v. 228, 2014, p. 15-36; NIEVA-FENOLL, Jordi. El modelo anglosajon en las cortes supremas: solución o elusión del problema de la casación? Revista de Processo, v. 219, 2013, p. 185–204; OTEIZA, Eduardo. Função das cortes supremas na América Latina: história, paradigmas, modelos, contratições e perspectivas. Revista de Processo, v. 187, 2010, p. 181-230; TUNC, André. La Cour suprême idéale. Revue internationale de droit compare, v. 30, n. 1, 1978. La cour judiciaire suprême. Enquête comparative. pp. 433-471. Entre nós, ver, e.g., PRITSCH, Cesar Zucatti. O TST enquanto corte de precedentes: paradigmas de cortes supremas e o Tribunal Superior do Trabalho. Leme/SP: Mizuno, 2023; ALVIM, Teresa Arruda; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a nova Função dos Tribunais Superiores: precedentes no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2018; MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema (2014). São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 4ª ed., 2019; SOUZA, Artur César de. Sistemas recursais das Cortes Superiores no direito comparado, Revista de Processo, v. 284, 2018, p. 427-462.

[5] A expressão nomofilachia (do grego νόμος, lei ou regra, e φυλάσσω, manter, proteger) surgiu em um dos clássicos da doutrina processualista, a monumental obra de Piero Calamandrei La Cassazione civile (2020 –  ver Opere giuridiche, VI, Napoli: Morano, 1976, p. 463–496). SILVESTRI, Elisabetta. The Italian Supreme Court of Cassation: Of Misnomers and Unaccomplished Missions. Ius Gentium, vol 59. Springer, 2017, nota 30.

[6] Nos referimos aqui à dicotomia de paradigmas de tribunais superiores muito bem tratada por Marinoni e Mitidiero. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Recurso extraordinário e recurso especial: do jus litigatoris ao jus constituitionis. Ed. RT, 2019, por exemplo à pg. 47. MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente (2013). São Paulo: RT, 3ª ed. revista e ampliada, 2017, p. 36-40.

[7] Le litige dont une cour suprême est saisie n’est pour elle que l’occasion de remplir sa mission principale. Elle statue dans l’intérêt du droit — donc de tous les citoyens — plus que dans celui des plaideurs (destaques nossos). TUNC, André. La Cour suprême idéale. Revue internationale de droit compare, v. 30, n. 1, 1978. La cour judiciaire suprême. Enquête comparative. pp. 435, 437.

[8] TARUFFO, Michele. Il controllo del diritto e del fatto in cassazione. Il vertice ambíguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 123.

[9] MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente (2013). São Paulo: RT, 3ª ed. revista e ampliada, 2017, p. 37-38 (citando EISENBERG, Melvin Eisenberg. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p. 4; bem como Taruffo, para quem le vere ‘corti di precedente’ sono le corti supreme. TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, 2007. p. 718).

[10] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 36ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 30 (citando STF-Pleno-MS n° 22.164/SP-Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206).

[11] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 15ª edição, São Paulo: Saraiva Educação , 2021 (Série IDP), p. 724.

[12] Ver monografia sobre o tema: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 6ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, especialmente os arts. 248-249.

[13] FRANÇA. Légifrance. Ordonnance n° 58-1270 du 22 décembre 1958 portant loi organique relative au statut de la magistratur, Article 10. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/loda/id/JORFTEXT000000339259/> (acesso em 25/06/2023).

[14] FRANÇA. Cour de Cassation. Le cheminement d’un dossier civil. Disponível em: <https://www.courdecassation.fr/files/files/Pr%C3%A9sentation/Cheminement%20dossier%20civil2.pdf> (acesso em 25/06/2023). PRITSCH, Cesar Zucatti. O TST enquanto corte de precedentes: paradigmas de cortes supremas e o Tribunal Superior do Trabalho. Leme/SP: Mizuno, 2023, p. 91, 110.

[15] ITÁLIA. Gazzetta Ufficiale. Regio Decreto 28 ottobre 1940, n. 1443 (Codice di Procedura Civile), arts. 276 e 380. Disponível em: <https://www.gazzettaufficiale.it/dettaglio/codici/proceduraCivile> (acesso em 25/06/2023). TARUFFO, Michele. Precedent in Italy. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (org.). Interpreting Precedents (1997). Oxfordshire: Routledge, 2016. p. 141, 142, 145. PRITSCH, op. cit., p. 150.

[16] PRITSCH, Cesar Zucatti. Manual de prática dos precedentes no processo civil e do trabalho. 2ª ed. Leme/SP: Mizuno, 2023, p. 186-187.

[17] ESTADOS UNIDOS. Constitution. AMENDMENT XIV (promulgada em 13.06.1866, ratificada pelos estados em 09.07.1968). Section 1. All persons born or naturalized in the United States… are citizens of the United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.

[18] Derrotado o sul escravocrata, a 13ª e 14ª emendas constitucionais tentaram apagar as marcas da escravidão, firmando que negros também eram livres e cidadãos americanos, bem como proibindo leis estaduais que vulnerassem tal determinação Nos noventa anos seguintes, entretanto, com o reerguimento da influência sulista, os avanços civilizatórios dos negros nos EUA sofreram diversos retrocessos, a exemplo de Plessy..

[19] Por irônica coincidência, Brown seria justamente o nome do caso que superaria (overrule) o precedente de Plessy v. Ferguson, 58 anos depois.

[20] Dred Scott v. Sanford, 60 U.S. 393 (1857) — em que a Suprema Corte americana entendeu que negros eram considerados uma classe subordinada e inferior, e que nem mesmo libertos poderiam ser tidos como cidadãos americanos.

[21] Como não conseguiria acabar com a segregação recorrendo às Assembleias dominadas por brancos, a Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) passou a atacar judicialmente a respectiva tese, inicialmente exigindo igualdade de instalações educacionais para os negros ou a admissão em instituições para brancos, como em Estado de Missouri ex rel. Gaines v. Canada (1938), Sipuel v. Board of Regents da Universidade de Oklahoma (1948), Sweatt v. Painter (1950) e McLaurin v. Oklahoma State Regents (1950), progressivamente obtendo pronunciamentos de que qualquer segregação seria tratamento inerentemente desigual pela lei, tese central que acabou sendo acolhida no paradigmático Brown v. Board of Education (1954). ESTADOS UNIDOS, Arquivos Nacionais, disponível em <http://www.archives.gov/education/lessons/brown-v-board/timeline.html> (acesso em 25/06/2023). Tradução disponível em PRITSCH, Cesar Zucatti. Manual de prática dos precedentes no processo civil e do trabalho. 2ª ed. Leme/SP: Mizuno, 2023, p. 445-453.

[22] MAYER, David N. The myth of laissez-faire constitutionalism: Liberty of contract during the Lochner era. Hastings Constitutional Law Quarterly, v. 36, 2009, p. 217 e ss. A chamada “Era Lochner” é geralmente considerada finda com West Coast Hotel Co. v. Parrish, 300 U.S. 379 (1937), em que a Suprema Corte considerou constitucional uma lei estadual que instituía salário-mínimo (overruling Adkins v. Children’s Hospital, 261 U.S. 525 (1923)). Idem.

[23] Idem.

[24] Destacou que …a Constituição não se faz destinada a materializar uma teoria econômica particular, seja ela uma relação mais paternalista ou orgânica entre o cidadão e o Estado, ou o laissez faire. É feita para pessoas com visões fundamentalmente diferentes, e a eventualidade de acharmos certas opiniões naturais e familiares ou novas e até mesmo chocantes não deve nos levar a julgar que as leis que as materializam conflitam com a Constituição dos Estados Unidos. ESTADOS UNIDOS, Suprema Corte. Lochner v. New York, 198 U.S. 45 (1905). Disponível em <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/198/45/> (acesso em 25/06/2023).

[25] RE 1.298.647 (0010424-32.2014.5.15.0111), Re. Min. Nunes Marques, ainda não pautado para julgamento. Afetada especificamente sobre o “Ônus da prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas de prestadora de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública, em virtude da tese firmada no RE 760.931 (Tema 246). Recurso extraordinário em que se discute à luz dos artigos 5º, II, 37, XXI e § 6º, e 97 da Constituição Federal a legitimidade da transferência ao ente público tomador de serviço do ônus de comprovar a ausência de culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados pela empresa contratada, para fins de definição da responsabilidade subsidiária do Poder Público”.

[26] Súmula nº 331 do TST – (…) IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

[27] Ver, por exemplo, os debates entre os Ministros Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Cezar Peluso, às fls. 45-46, 52, 55, e 63 do acórdão da ADC 16 (0001014-43.2007.0.01.0000), Re. Min. Cezar Peluso. Disponível em <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627165>.

[28] É o que ilustra a seguinte interação, ao final dos debates orais: O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Brecamos a subida dos processos, ante a faticidade da matéria e a regência legal. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES Nós temos de mudar, portanto, a nossa postura em relação à não admissibilidade dos recursos. Até pode ocorrer – Ministra Cármen já ressaltou -, num quadro, sei lá, de culpa in vigilando, patente, flagrante, que a Administração venha a ser responsabilizada porque não tomou as cautelas de estilo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Esse fato tem de estar estampado no acórdão impugnado mediante o extraordinário. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Mas não é o caso da rotina dos acórdãos do TST que nós temos visto. De modo que temos de rever o entendimento que até então vinha sendo placitado no Tribunal em relação à Súmula 331 (destaque nosso).Idem, fl. 63.

[29] Idem, fl. 1.

[30] Fl. 4 dos autos digitalizados, sequencial 2 de “peças”, disponível em <https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4434203>.

[31] Idem, fl. 31.

[32] Idem, fl. 32 e ss.

[33] Idem, fl. 61 e ss.

[34] Idem, fl. 69.

[35] Idem, p. 179.

[36] Acórdão do TST (TST-AIRR-100700-72.2008.5.02.0373, 2ª Turma do TST, Rel. Min. Freire Pimenta, 11/04/2012). Disponível no sequencial 10 das “peças”, em <https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4434203>.

[37] Respectivamente disponíveis nos sequenciais 13 e 83 das “peças”, em <https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4434203>.

[38] RE 760931, inteiro teor, disponibilizado em 12/09/2017. Em <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312704677&ext=.pdf>.

[39] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017,  p. 33.

[40] Numa interpretação constitucionalizada do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, à vista do princípio da proteção do trabalhador que informa o Direito do Trabalho, e ainda ao valor social do trabalho (art. 1º da CRFB) e princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CRFB).

[41] Deste, exemplifica trecho do voto do saudoso Ministro Teori Zavascki: Não convence o argumento segundo o qual a nulidade dos contratos de trabalho não pode gerar direito ao FGTS. Tal raciocínio parte de um pressuposto absolutamente inadmissível, segundo o qual as consequências da nulidade devem ser inteiramente carregadas ao trabalhador, não ao tomador do trabalho (grifo nosso). RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 65.

[42] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 66.

[43] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 74-82.

[44] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 82. Inclusive, transcreve a correspondente parte dos debates orais da ADC 16, aqui transcritos às páginas 86-91.

[45] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 82 (com apoio clássica lição de MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, pp. 1029-30).

[46] Transcreve trechos de diversos julgados em sede de reclamação, no mesmo sentido (p. 91-99), e.g.: Rcl 15.152/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Dje 07.3.2013; Rcl 12.580-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, julgado em 21.02.2013 ; Rcl 15.298/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 05.3.2013; Rcl 15.052/RO, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje 01.02.2013; Rcl 12.925/ES, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Dje 26.11.2012; Rcl 8.475/PE, Rel. Min. Ayres Britto, Dje 13.4.2012.

[47] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 108 (exemplificando, em seu apoio, detalhada análise no acórdão na Rcl 15385/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 15.3.2013).

[48] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 117-118. O mencionado dispositivo prescreve: “Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias”. Destaca ainda a lição de DIDIER, Fredie e BOMFIM, Daniela. Prova por amostragem e distribuição do ônus da prova no processo administrativo. In Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, Ano 2, vol. 10, julho/2014, RT, p. 132-3 (“o próprio legislador já realizou uma prévia valoração acerca da possibilidade de produção probatória. Não se trata de inversão do ônus da prova, nem de sua distribuição dinâmica. É distribuição prévia e abstrata feita pelo legislador; estática, pois. A regra acima referida é uma concretização do princípio da cooperação, decorrente do princípio da boa-fé processual. Todos os sujeitos processuais (seja qual for a modalidade de processo) devem comportar-se de forma leal e cooperativa para que seja produzida uma decisão justa”).

[49] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 122 (com supedâneo em CAMBI, Eduardo. A prova civil. São Paulo: RT, 2006, p. 341; PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no Processo do Trabalho -2ª ed. São Paulo: Ltr, 2012, p.123).

[50] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 123-124 (com amplo supedâneo na doutrina processual civil, como TALAMINI, Eduardo. Cooperação no novo CPC (primeira parte). Disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI226236,41046>; MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 145; ALVIM, Teresa Arruda. Reflexões sobre o ônus da prova in Revista de Processo nº 76, 1994).

[51] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 124-125. Aliás, regra similar foi também positivada expressamente para o processo do trabalho, na redação do art. 818 da CLT dada pela Lei nº 13.467/2017.

[52] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 126 (“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, … § 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados”).

[53] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 126-129 (nesta última parte, com apoio no Parecer do Procurador-Geral da República em exercício à ocasião, p. 49 do mesmo).

[54] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 130-141.

[55] Súmula 331, V, do TST: Oos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”

[56] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 161-165.

[57] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, p. 173.

[58] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fl. 179.

[59] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fl. 248.

[60] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fl. 208. Mais adiante, o Ministro Barroso completa o raciocínio, registrando que “Neste caso concreto, eu estou acompanhando a solução da Ministra Rosa porque a União sequer alega que fiscalizou. Ela reconhece que não fiscalizou. Eu acho que não tem que fiscalizar 100%, mas algum tipo de controle a União tem dever de ter. Ela não pode contratar e terceirizar completamente quaisquer obrigações. De modo que, no caso concreto, diante da inequívoca ausência de qualquer fiscalização pela União, eu acompanho o voto da Relatora. Idem, p. 221.

[61] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fl. 228.

[62] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fls. 224 e 225.

[63] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fls. 234.

[64]          RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fls. 249 quanto ao Min. Toffoli e 229, 237 e 256 quanto ao Min. Gilmar Mendes.

[65]          RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fl. 249.

[66]          RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fl. 217.

[67]          RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fls. 349-350.

[68]          RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fls. 314 e 324.

[69] RE 760931, acórdão pub. 12/09/2017, fls. 334-345.

[70]          RE 760931 ED / DF, fls. 19, 25.

[71] Por exemplo, o art. 121 da Nova Lei de Licitações (nº 14.133, de 1/4/2021) tende a trazer largos benefícios, com a generalização, a todas as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de boas práticas fiscalizatórias que, até então, estavam restritas à União (e.g. IN/MPOG nº 2/1998, IN/MP nº 5/2017). Além da exigência de caução ou seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas, permitem o condicionamento de pagamentos à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas, assim como o depósito de valores em uma conta vinculada apartada (ao invés de alcançar diretamente à empresa terceirizada) para aprovisionar os futuros pagamentos de verbas rescisórias, férias e 13º salário.

[72] Dos cerca de 40 milhões de trabalhadores com contrato registrado em CTPS, há cerca de 12 milhões de terceirizados (30%) – em um contexto de população economicamente ativa 107 milhões, sendo 12 milhões que estão desocupados, 12 milhões de empregados “sem carteira”, 11 milhões de servidores públicos, 4 milhões de empregadores, e 25 milhões de trabalhadores por conta-própria. BRASIL. IBGE/SPE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. <https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/conjuntura-economica/emprego-e-renda/2022/informativo-pnad-jan2022.html#2_Tabelas>. DOS SANTOS, José Márcio; DE SOUZA SILVA, Priscila. Perfil dos trabalhadores terceirizados no Brasil. Revista da ABET, v. 19, n. 1, 2020.



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